"Selecção do Euro 2000 jogava bem e ganhava"
- Nasceu na África do Sul. Conhece muito bem o país e tem lá familiares. Está preocupado com a a segurança no Mundial?
A segurança de um acontecimento como um Mundial levanta sempre problemas, seja qual for o país e, neste momento, é sempre um motivo de preocupação. A África do Sul, pelas suas circunstâncias, pode estar um pouco mais exposta, mas, até por se saber isso, a atenção será redobrada. A minha família não está preocupada. Vivem lá duas irmãs e um irmão meus, que estão a encarar a situação com muita normalidade. Há que evitar os locais errados e aproveitar para ver os bonitos. E a África do Sul é um país muito bonito.
- Como é que o país está a viver as vésperas do Mundial?
Existe um grande entusiasmo. E entre a comunidade portuguesa também. Os emigrantes estão a vivê-lo de forma mais intensa até do que na Europa ou EUA, porque em África têm menos oportunidades de ver a selecção. E portanto estão muito ansiosos. Penso que vai tudo correr muito bem. A minha família vai torcer, claro, por Portugal.
- Pela primeira vez, África vai realizar um Mundial. Pode ajudar ao desenvolvimento do país e do continente?
Em termos de infra-estruturas será muito importante. Estradas, aeroportos, etc. E embora muitas cidades e parques naturais façam há muito parte dos roteiros turísticos, será uma oportunidade única para mostrar o país ao Mundo.
- Regressou a Portugal com 17 anos. Começou a jogar com 18 e acabaria por ser escolhido para a selecção nacional. Sentiu alguma discriminação por ter nascido noutro país?
Não, porque muito poucos se lembravam que eu nasci na África do Sul. Eu é que me sentia um pouco diferente, porque África marca muito.
- O seu caso ou o de Petit podem ser comparados aos dos naturalizados da nossa selecção?
Essa é a grande discussão. Julgo que são casos diferentes. Eu vim para Portugal porque os meus pais são portugueses. Claro que vim porque a África do Sul, na altura, não era reconhecida pela FIFA, mas também porque o meu sonho era jogar no campeonato português, por ser a terra dos meus pais. Quando se colocou a questão de ter que optar, nem hesitei. Tenho sido uma das vozes contra a naturalização quando ela tem unicamente em vista permitir uma convocação para a nossa selecção. Porque me incomoda a ideia de ter na selecção um jogador que está num país apenas cinco anos e que pois volta para o país dele e continua a sua vida sem qualquer ligação ao país onde jogou. Sei que não é o caso de Deco, que vive há muitos anos em Portugal, nem o de Pepe, que veio muito jovem para o nosso país. Continuo a não conseguir comparar o meu caso, ou o de Petit, com o de Liedson.
- Aceita Deco mas não inclui Liedson no mesmo grupo?
Não.
- É preciso acabar por aqui?
O futebol é um negócio e o sucesso no negócio são as vitórias. Mas espero que acabe por aqui, até porque estão a tapar caminho a muitos jovens das nossas escolas.
- Foi chamado à selecção A por António Oliveira. Eram os tempos em que por cada golo tinham que beijar a bandeira...
Já conhecia o António Oliveira dos tempos da Académica. Quando essa hipótese se colocou, os jogadores aderiram imediatamente. E isso empolgou muito o público.
- Esteve, depois, com Humberto Coelho, numa selecção com bastante êxito.
Foi uma fase em que muitos jogadores portugueses já trabalhavam no estrangeiro. Ou seja, já havia muito intercâmbio, muita mistura de informação e esse cruzamento tornava os jogadores mais competentes e mais capazes. Esse êxito revelou também muito da evolução do jogador português, que já se fazia sentir na altura.
- Humberto Coelho pegou na selecção depois de um afastamento de dez anos do futebol. Essa circunstância podia ter tornado a liderança de Humberto mais fraca mas não foi assim. Porquê?
Pela sua personalidade. Porque para qualquer jogador daquela equipa o Humberto Coelho era (é) um senhor. A base da sua liderança foi sempre o respeito que lhe devíamos.
- Uma selecção vive da relação com os adeptos. Foi o grande trunfo de Scolari. E agora?
O futebol vive do jogador e do adepto. Um é o artista; o outro paga para ver. E, portanto, não pode haver um divórcio entre estes dois agentes. É preciso ter isso em conta e evitar conflitos desnecessários, como o que ocorreu, agora, na Covilhã. A selecção não abdicou do programa, deixando o público triste. Não sei se tira daí algum benefício. Defendo a existência de regras e o cumprimento dos programas, mas também é importante que haja bom-senso. Scolari teve e soube aproximar-se do público.
- Para além de gerir as convocatórias, a função principal de um seleccionador é essa, a de saber unir a selecção à população?
O papel principal do treinador é escolher jogadores para a vitória.
Quanto ao resto não há que copiar ninguém. Cada um é como é. Carlos Queiroz não terá a simpatia de alguns portugueses, as suas escolhas não são unânime,s mas a altura de julgar não é esta. Julgue-se no fim da prova.
- Há um ambiente de descrença em relação ao desempenho da selecção que não existiu noutros campeonatos. Que avaliação mereceria uma eliminação na primeira fase?
Seria um desastre. Seria vergonhoso, tendo nós a equipa que temos.
- Viveu no Euro 2000 os momentos mais felizes da carreira ao serviço da selecção?
Foram momentos de grande felicidade, sim. Até pela maneira como se referiam, em Portugal e no estrangeiro, à nossa equipa.
- Para Humberto Coelho essa foi, na última década, a selecção que jogou melhor futebol. Concorda?
Concordo, até por isto : jogava bem, ganhando. Julgo até que continua a ser a selecção nacional com a melhor média de golos marcados. E jogámos contra grandes selecções.
- E qual foi a melhor selecção da década em termos individuais?
Cada selecção tem o seu sucesso. Penso que a selecção do Euro2000 era uma selecção com maturidade, pôde usufruir dessa vantagem porque a maioria dos jogadores estava no auge das carreiras. O que aconteceu de novo em 2004. Na actual há mais desnível. Talvez daqui a dois anos possa ser uma selecção mais forte.
- Pontos fortes desta selecção?
Confio muito no Ricardo Carvalho. Em forma, é uma grande mais-valia; confio na experiência de Deco e na criatividade do Ronaldo, de Nani e do Simão.
- E o ponto fraco?
Se os jogadores mais experientes não estiverem em forma, e alguns ainda não demonstraram estar completamente prontos, teremos aí um ponto fraco.
- Como era o ambiente nos estágios da selecção no seu tempo?
Uns davam-se melhor do que outros. Mas nenhum desses problemas entrava em campo com a equipa. Além disso, entre os jogadores há uma lealdade enorme.
- Quando numa equipa um jogador se destaca dos outros, como é o caso de Ronaldo, o ambiente de balneário fica afectado?
Não há dúvida de que numa equipa todos gostam de ver a atenção repartida, mas quando há um que se destaca os outros compreendem. Não é isso que estraga o ambiente. O que realmente abala a coesão de um grupo é quando um ou outro jogador, perante um momento de dificuldade,tem um gesto ou uma palavra menos solidária.
- Se tivesse agora 25 anos, poderia jogar nesta selecção?
Com o meu estilo talvez fosse difícil, mas ia lutar muito.
- Jorge Jesus disse recentemente que dentro de um ano Fábio Coentrão será um dos melhores laterais do Mundo. Concorda?
Tenho acompanhado o Fábio com agrado.Tem evoluído imenso e é o miúdo do momento. Mas o Fábio ainda está em processo de crescimento e tem que perceber que desse processo não fazem parte apenas coisas boas.
- Acho que ele está deslumbrado?
Acho que está um pouco deslumbrado, o que é natural. Quem não estaria, sabendo que é desejado por este e por aquele clube? Mas é fundamental que alguém o vá chamando à realidade.
- Pensa que ele deve ser o titular?
Pode e deve ser o titular. Não será muito justo para o Duda, que fez - e bem - toda a qualificação, mas seria mau desperdiçar este excelente momento do Fábio.